EU ♥ CAMELÔ
 Ambulante, aquele que  anda, que não permanece no mesmo lugar; que vai de terra em terra, ou de rua em  rua; ambulativo, errante, erradio. Camelô, mercador que vende suas mercadorias  nas ruas, geralmente nas calçadas ou nas praças, ou em cidades como o Rio de  Janeiro, nas areias da praia. Ambulantes ou camelôs trafegam a pé pela paisagem  da cidade, deambulam com seus multi-múltiplos, com seus gritos e suas gingas,  criando uma teia de comércio e comunicação informal nos espaços públicos da  cidade. João do Rio dizia que o flaneur tem sempre um milhão de coisas  imprescindíveis a fazer que podem ser eternamente adiadas. O camelô não. O  camelô é errante porque seu destino é onipresente. Eles estão onde quer que  exista quem os queira. Os ambulantes são os flaneurs da objetividade.  Gritos, promoções, parábolas, repentes, digressões, rimas e cantos impulsionam  seus produtos para mais longe, para onde os pés não podem alcançar. A  informalidade e o improviso fazem a liga destas relações fugazes que se  estabelecem com estes lojistas, que como caracóis, carregam suas lojas nas  costas.
 Nestes tempos de choque  de ordem, de cerceamento da liberdade ambulante e criminalização do comércio  informal, o OPAVIVARÁ! Lança a campanha EU ♥ CAMELÔ e bota lenha na fogueira  da discussão, exaltando este devir-camelô que se esgueira no asfalto ou nas  areias escaldantes, fugindo e apanhando da lei enquanto refresca a sede do PM,  do gringo e do playboy. Este devir-camelô é a cidade pulsando sua vontade de  contato, sua fome existencial que deságua no consumo. Ser camelô é uma atividade  democrática e solidária. Em uma sociedade submersa na cultura do consumo, o  comerciante informal tem o seu lugar como agente pulverizador da cultura,  impulsionando, diversificando e ampliando a veiculação de produtos, objetos e  informações; levando as novidades da última moda para um público muito mais  extenso e horizontal. 
 Na atual discussão em  torno das proibições sobre o comércio ambulante, o camelô incorpora uma das  figuras centrais de nossa eterna luta de classes que, no Rio de Janeiro com suas  especificidades históricas e geográficas, acabou por moldar uma cidade que se  constrói e se destrói ao mesmo tempo sob a dialética do morro e do asfalto. É a  geografia natural, orgânica e generosa das montanhas, praias e lagoas que  resiste ao urbanismo cartesiano, moderno e disciplinar das avenidas, aterros e  esplanadas. É a memória do Morro do Castelo a ecoar na Avenida Central, são os  fantasmas da Praia do Pinto assombrando os apartamentos da Selva de Pedra. É a  favela se infiltrando por entre as grades do condomínio. É o improviso e a  gambiarra de um comércio corporal e humano que atravessa os cartéis dos  conglomerados industriais.
 Marc Ferrez fotografou  vendedores ambulantes do Rio de Janeiro durante os últimos anos do século XIX,  pouco antes das reformas modernizadoras, a la mode de Paris, do governo  Pereira Passos. Ferrez documentou todas as transformações da paisagem carioca  com um olhar tão atento ao passado que era demolido como para o futuro que se  construía. Os ambulantes retratados por ele também ajudam a compor esta paisagem  que se perdeu no tempo. Hoje, um Rio de Janeiro pré-olímpico, se vê novamente  obcecado por uma faxina modernizadora, que busca soluções rápidas e alegóricas  para se eliminar ruídos na paisagem. No início do século XX, um dos principais  argumentos para a derrubada dos morros do centro da cidade, era de caráter  higienista, diziam que os morros impediam a circulação de ar na cidade ajudando  na proliferação de doenças como a tuberculose. Hoje, os higienistas vão às  praias para dizer que os produtos e métodos de venda empregados pelos ambulantes  representam riscos à saúde dos cidadãos. E assim, as políticas públicas, movidas  por este espírito ascético, vão abrindo caminho para indústrias multinacionais,  roubando o espaço de expressões populares, autênticas e tradicionais de nossa  cultura. Nesse jogo de forças, o camelô se impõe como uma intervenção anárquica  na cidade ordenada que o estado pretende, como personagem central da  resistência, orgânica, rizomática, corporal e sensível da cultura popular  carioca.
 É pensando a exposição  como uma intervenção no Shopping da Gávea que o OPAVIVARÁ! transforma a galeria  em um satélite da praia e um QG de campanha. Os produtos ofertados, surgidos da  intensa relação com o espaço democrático da praia, misturam design industrial  com gambiarra artesanal e não são objetos distantes do público. Como na banca de  um camelô, aqui tudo pode ser tocado, experimentado, sentido e, claro, comprado.  As cadeiras de praia coletivas e o galão de mate com múltiplas bicas, mantêm  ativos os caminhos de ambientes relacionais do grupo. A ambientação sonora  funciona como dispositivo atmosférico que transforma a galeria em camelódromo  auditivo, e se materializa também em CDs piratas, ou simplesmente caseiros, para  se ouvir aonde quiser. Os retratos de vendedores ambulantes da praia de Ipanema,  aqui não são apenas registro histórico-antropológico, são cartões postais  de uma cidade que vive no limite da ilegalidade e na fragilidade de sua imagem.  Tudo está a venda, em oferta, “na promoção”, com obras de arte a 1 real para não  serem reféns do universo restrito do mercado de arte. Obras de arte para  circular, como devem circular livremente as mercadorias de um camelô.
 Ophélia Patrício Arrabal