Conectude. Um Painel descontrole, por Ophelia Patricio Arrabal

terça-feira, 14 de setembro de 2010

publicado na ReviSPA 2010 #6

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VAI PRA PONTE QUE PARTIU!

contra o controle remoto, pontes de contato.


O Brasil é um país que prefere pontes a margens, a ponte conecta, a arte conecta. Recife cidade dos rios, pontes e overdrives - impressionantes esculturas de lama. Quando a ponte une duas margens o seu corpo de serpente de concreto, madeira, metal ou pensamento se torna terreno de troca, confluência, mixórdia de fronteiras. A ativação deste fluxo confronta dois lados que se encontram em suas semelhanças e diferenças, a ponte é espaço de hibridismo, de assimilação. O Brasil prefere o que é semelhante para chegar ao outro. A circulação horizontal dos transportes coletivos que conectam todo o corpo da cidade é ponte que une múltiplas margens. O uso camuflado do transporte coletivo como intervenção urbana reconecta o contemporâneo ao nosso ancestral atávico e ressignifica os espaços da cidade. Transporte-ponte. Hiperconexão pavimentada, a ponte é ao mesmo tempo o meio entre as coisas e o devir......o devir deve ir!

Sexo é ponte
beijo é ponte
abraço é ponte
aperto de mão é ponte
Salada mista de pontes!

O corpo humano é nossa ponte para o mundo e para outros corpos.
A ponte traz em sua conformação a idéia de viagem, a ponte é o inter-ser-sideral, a passagem, o caminho, o meio do caminho.

O “cavalo” é a ponte entre as entidades xamânicas espirituais e nós.


Pontes e viagens no tempo e no espaço

http://tiny.cc/collider

No dia 10 de setembro de 2008 foi ativado o maior acelerador de partículas do mundo (se você está lendo isso no futuro distante ele não deve ser mais tão grande). O LHC (Large Hadron Collider – Grande Colisor de Hádrons) foi projetado para atirar partículas de prótons umas contra as outras quase à velocidade da luz.

O equipamento está a 100 metros debaixo da terra na fronteira da França com a Suíça, onde os prótons serão acelerados no anel de colisão que tem cerca de 27 km de circunferência e 8.6 km de diâmetro. O equipamento é o maior e mais complexo instrumento científico já construído, e também o mais caro – com um custo estimado em US$ 8 bilhões. Os cientistas esperam que a liberação maciça de energia causada pelo choque das partículas seja capaz de recriar as condições que existiam no universo imediatamente após o Big Bang.

28 de fevereiro de 1643, foi o dia da inauguração da ponte Recife, atualmente chamada Maurício de Nassau. O Conde Nassau queria chamar muita gente para prestigiar a sua obra, então espalhou a notícia de que faria um boi voar sobre a ponte. O Conde utilizou um couro de boi em formato de balão inflável, amarrado em cordas finas sobre roldanas controlado por marinheiros, o que fazia com que o boi desse cambalhotas no ar. A ponte teve sua construção iniciada em 1640 por ordem do conde Maurício de Nassau, feita em madeira, sendo considerada a primeira ponte de grande porte do Brasil e a mais antiga da América Latina.

Arte-ponte propontes

http://tiny.cc/ponteparaonada

A reflexão sobre as pontes em nosso mundo é atravessada pelas questões entre real e virtual; telecomunicação e comunicação presencial; conectude e embotamento anestésico meio-massa. Vivemos submersos numa verdadeira trama hiperespacial de conexões. Mas para que e para quem servem estas pontes? O que elas conectam e que tipo de transporte se dá através delas?

O crescimento multiexorbitado e a descartabilidade da indústria da comunicação promovem construções que levam o nada ao lugar nenhum. Arte ocupa pedaços de pontes para criar situações tanto no nada, quanto no lugar nenhum.

http://tiny.cc/pontes


Internet é a ponte do mundo contemporâneo por excelência. Mas qual é a qualidade das relações que essa rede estabelece? E se por um lado podemos nos conectar com pessoas de outros continentes, onde estão nossos vizinhos locais? O mundo se transformou em uma imensa vizinhança? Ipanema está mais perto de Saint-Germain-des-Prés do que de Boa Viagem? As individualidades indivisíveis, irredutíveis, inabarcáveis, se resumem agora a um perfil no Orkut, Twitter ou Facebook?

O que a internet oferece às angústias contemporâneas são uma infinidade ofertas de relações seguras, sem riscos, assépticas. Entretanto este tipo de relação pode promover um imenso tédio existencial, uma masturbação infinita sem nunca alcançar o gozo prometido por estas ofertas. Porque o gozo está diretamente ligado ao risco. Everything is sweetened by risk. Todo o contato tem seu risco. Viver é ir entre o que vive e viver é muito perigoso. As pontes são uma ótima imagem para essa conexão entre risco e gozo, por sua forma tubular e/ou fálica, que sempre avança sobre um vazio para atingir outra extremidade, e que sempre temos que penetrar para chegar do outro lado. O problema das pontes ciberdélicas do universo virtual é que nós podemos apenas ver e ouvir o outro lado, e poucas vezes chegamos até ele. Nessa dinâmica, nosso estar no mundo tende à reduzir-se à uma experiência audiovisual. Aliás, o termo audiovisual, muito em voga, é também de suma importância para as análises da arte hoje. E por tudo isso é inevitável voltarmos ao problema das janelas que se sobrepõem como no desktop, criando muros, uma sobreposição eternamente atualizada de janelas.

É claro que não podemos cair de forma tão simplificada na questão da internet, como se a web fosse um universo paralelo ao Planeta Terra; não podemos enveredar pelo já mais que desgastado e demodê cultura X natureza. É claro que o mundo concreto está totalmente conectado, envolvido e amarrado ao mundo virtual. Existem muitos mundos, supermundos, hipermundos, submundos, desmundos, imundos e vagabundos. Existem pontes para todos os lados, e nossas relações telecomunicáveis sempre podem se desdobrar em relações presenciais e corporais que se fortalecem mutuamente e se reinventam a cada dia.

http://tiny.cc/supernature

Não cabe cair em um discurso profético corrupto de meia esquerda festiva naturebista contra a tecnologia, a Internet, etc. Minha crítica à hegemonia das relações telecomunicativas não se constrói como um julgamento moral ou de valor, mas quer chamar a atenção para um outro território que por seu relativo abandono, evasão ou entropia, se mostra disponível a novas ocupações e novas proposições. O espaço relacional, sensorial, corporal, envolvente. O espaço coletivo, o espaço público. E mais uma vez as pontes nos levam para a rua. Estamos chegando.

Ophelia Patricio Arrabal, 2010

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